JUSTIFICATIVA:
1. O presente Projeto de Lei tem como base jurídica o art. 227 da Constituição Federal que determina que é dever da família, da sociedade e DO ESTADO assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à dignidade, ao respeito, à liberdade além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
2. Na mesma esteira, o art. 5º do Estatuto da Criança e Adolescente - ECA, determina que nenhuma criança será objeto de qualquer forma de negligência, e exploração. O art. 17 determina que o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
3. Também o art. 70. "É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente."
4. O art. 71 do ECA é muito claro neste objetivo quando determina que a criança e o adolescente têm direito a informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços QUE RESPEITEM SUA CONDIÇÃO PECULIAR DE PESSOA EM DESENVOLVIMENTO.
5. A proteção à criança não cessa nestas leis tendo em vista que o art. 72 do ECA informa que as obrigações previstas no Estatuto da Criança e Adolescente não excluem da prevenção especial outras decorrentes dos princípios por ela adotados. O art. 37, § 2° do Código do Consumidor determina que é proibida toda publicidade enganosa ou abusiva, discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
6. Inicialmente, é importante ressaltar que publicidade e comunicação mercadológica dirigida às crianças difere de publicidade e comunicação mercadológica de produtos infantis. O que está em discussão, no projeto de lei, é a proteção da criança ao qual é dirigida a mensagem publicitária, e não a restrição aos anúncios de certa categoria de produtos ou mesmo à sua comercialização.
7. O fenômeno está ligado ao desenvolvimento e aperfeiçoamento contínuo das estratégias de marketing que operam a transformação do consumo -- aquisição racional, consciente de bens necessários à vida -- em consumismo -- ato de adquirir produtos e serviços de maneira compulsiva, sem necessidade ou consciência.
8. A criança é pessoa em peculiar estágio de desenvolvimento físico, psíquico e social, com pouca experiência de vida e, portanto, maior credulidade, ingenuidade e falta de maturidade do que jovens e adultos. Essa condição bastante singular confere ao público infantil especial vulnerabilidade, o que é reconhecido pela legislação vigente, que a protege.
9. Por essa razão é que muitas empresas direcionam, cada vez mais e com maior intensidade, diversas formas de comunicação mercadológica a crianças, buscando estabelecer hábitos de consumo desde a infância, e fidelizar os pequenos consumidores a certa marca por toda a vida.
10. Não é por acaso que no Brasil a influência das crianças nas decisões de compras da família chega a 80% em relação a tudo o que é adquirido - segundo pesquisa da Interscience realizada em outubro de 2003, (doc. 01).
11. Além disso, crianças influenciam 92% das compras de alimentos, tendo como fatores determinantes, em ordem de colocação: publicidade na TV, personagem famoso e embalagem, doc. 01.
12. Sem compromisso ético, ou respeito à dignidade infantil, a publicidade dirigida à criança compromete o seu saudável desenvolvimento, desconsiderando a sua peculiar condição de pessoa em processo de formação bio-psicológica, que não possui ainda todas as ferramentas necessárias para compreender o caráter persuasivo da publicidade.
13. Exatamente por terem ciência da hipervulnerabilidade da criança enquanto pessoa ainda em formação e em peculiar fase de desenvolvimento, e de seu poder de influência nas compras da família, é que o mercado publicitário passou a olhar para esse público como alvo da mensagem publicitária como um verdadeiro nicho de mercado.
14. O investimento neste público-alvo parece potencializar os interesses comerciais das empresas, viabilizando a maximização das vendas de um produto ou de um serviço, visto que com apenas uma ação de marketing atinge-se ao menos três mercados: o da criança que adquire produtos com dinheiro proveniente de mesada, o do adulto que a criança será no futuro e o dos pais ou responsáveis por crianças, que são por elas influenciados.
15. Assim, percebe-se que a publicidade comercial dirigida a crianças contribui para promover uma mudança radical nas relações familiares, na medida em que coloca a criança como um sujeito extremamente demandante e com poder real de pressionar seus pais para comprarem, ao mesmo tempo em que coloca os pais sujeitos a esses caprichos.
16. Isso em vista, os anunciantes passaram a investir cada vez mais nas técnicas publicitárias com a finalidade de potencializar o efeito persuasivo sobre um público alvo sabidamente As técnicas utilizadas nas estratégias de comunicação mercadológica, além de bem elaboradas, manifestam-se nas mais diversas formas. O licenciamento de personagens infantis famosos, que fazem parte do imaginário das crianças; as práticas de venda casada (que vinculam indissociavelmente a aquisição de certos bens, supostos brinquedos, à venda de um produto); ou ainda propagação da idéia de que o consumo de determinado produto é indispensável para a aceitação social da criança em seu meio de convivência, cada um à sua maneira, torna os produtos ou serviços mais atrativos às crianças, criando nelas o desejo de consumir sem necessidade, pelo puro desejo do consumo.
17. A exposição das crianças a um conteúdo abusivo - aquele que se aproveita da hipervulnerabilidade das crianças - por meio de comunicação mercadológica a elas dirigida contribui para a intensificação de fatores que podem prejudicar severamente o desenvolvimento infantil, como o desenvolvimento de transtornos alimentares e obesidade infantil, além de erotização precoce, transtornos de comportamento, estresse familiar, violência, dentre outros.
18. O que o presente projeto de lei pretende é proibir o direcionamento da comunicação mercadológica às crianças em escolas.
19. A educação é um direito social, consagrado pela Constituição Federal em seus arts. 6º, e 205 e seguintes, como um dever atribuído ao Estado e à família. Deve observar o primado da prioridade absoluta garantido pelo art. 227 da Carta Magna, reafirmado pelo art. 4º, do ECA.
20. A democratização do ensino implementa o princípio da igualdade, bem como a dignidade da pessoa humana, pilar do Estado Democrático de Direito. O acesso efetivo à educação é base para a construção da cidadania, e permite ao indivíduo efetivar os demais direitos fundamentais a ele assegurados.
21. Apesar de não se resumir à educação formal, tampouco ao universo escolar, é inegável que cabe à escola uma parcela importante da educação das crianças.
22. Por essa razão, para garantir o direito fundamental à educação, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), que disciplina a educação escolar. De acordo com ela, a educação visa ao pleno desenvolvimento do educando (art. 2º).
23. A educação infantil - creches e pré-escolas - busca desenvolver as crianças de até 5 anos em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social. O ensino fundamental - a partir dos 6 anos de idade - objetiva a formação básica do cidadão, desenvolvendo a compreensão do ambiente, formação de atitudes e valores, fortalecimento de vínculos de família e solidariedade humana, dentre outros aprendizados importantes.
24. A existência de um direito fundamental à educação, que visa à realização da dignidade da pessoa humana, e ao pleno desenvolvimento da criança - nos níveis infantil e fundamental de ensino, é incompatível com a utilização da criança como público-alvo da mensagem publicitária, prática antiética e, como será visto, ilegal. Valer-se da deficiência de julgamento e de experiência da criança para impingir-lhe produtos e serviços, inclusive dentro da escola, significa transformá-la em uma promotora de venda a serviço do anunciante. E as escolas, sejam públicas como privadas, enquanto espaço de cuidado e educação, de maneira algum poderiam servir como cenário para esse ataque à integridade psíquica, e até mesmo física, das crianças.
25. A Existência das ações de comunicação mercadológica em escolas pode ser vista na obra do autor NICOLAS MONTIGNEAUX1. Em sua obra de marketing que trata da força das personagens para falar com o consumidor infantil como estratégia de persuasão para o incremento das vendas, aborda a necessidade de as empresas, depois de criarem personagens dirigidos ao público infantil, colocá-los concreta e reiteradamente em contato com as crianças, seja em embalagens, publicidade televisiva, internet, promoções, e, claro, escolas. Sobre o marketing escolar, sem pudor algum, destaca:
"Os estabelecimentos escolares são o lugar ideal para as operações de comunicação dirigidas para os jovens consumidores. A atenção das crianças é sustentada e o ambiente permite fazer passar um discurso sobre qualidade. Por razões éticas ou legais, as marcas devem interditar a prática de publicidade no sentido clássico do termo, e devem fazer suas investidas com um verdadeiro conteúdo pedagógico. A publicidade no ambiente escolar é teoricamente interditada na França, embora seja encontrada frequentemente, apesar dessa interdição.
Segundo nosso ponto de vista, a intenção promocional não é forçosamente incompatível com uma ação educativa. Promover a idéia de se segurar contra riscos individuais ou promover a idéia de uma boa higiene dentária possuem um real valor educativo. Um documento bem feito pode servir de ponto de partida para uma ação educativa, ainda que a marca se anuncie da maneira como ela é. Além disso, nos parece normal, e mesmo desejável que a marca, tendo prometido um documento, se faça conhecer sem que para isso tome pela repetição um caráter demasiado publicitário. É por isso que a marca deve aparecer, mesmo que o faça de uma maneira moderada. O personagem imaginário representa sob esse ponto de vista um meio eficaz e discreto. (grifos inseridos).
1 Nicolas Montigneaux, Público-alvo: crianças - A força dos personagens e do marketing para falar com o consumidor infantil. Trad. Jaime Bernardes. Rio de Janeiro: Campus, 2003, p. 236. Público-Alvo: Crianças A força dos personagens e do Marketing para falar com o consumidor infantil de Nicolas Montigneaux. Edição/reimpressão: 2005. Páginas: 272. Editor: Diversos. ISBN: 9788575890028.
26. Segundo o autor, esse marketing poderia ser travestido sob a forma de "ação pedagógica" (distribuição de materiais, por exemplo) ou de "ações comerciais" (distribuição de amostras ou brindes). No primeiro caso, os temas apresentados com frequência dizem respeito à nutrição ou alimentação, energia, água, saúde, higiene, deveres do cidadão, meios de transporte.
27. Essa é a visão do mercado, focada não no melhor interesse da criança, mas sim nos interesses comerciais do anunciante2. Apresentar a publicidade como uma ação pedagógica revela, sem sombra de dúvidas, que o interesse principal não é educativo, mas sim comercial. O ambiente escolar é visto com um dos melhores cenários para a introdução de uma marca à criança, por meio da personagem imaginária que "é uma transposição imaginada e simbólica da marca sobre uma forma inteligível e sensível para a criança".
2 A respeito dos motivos comerciais que levam as empresas a realizarem ações de marketing em escolas, pesquisadores do CENTER FOR SCIENCE IN THE PUBLIC INTEREST (CSPI), entidade não-governamental localizada
28. Este projeto de lei não é o precursor na seara apresentada. Publicada no dia 4 de abril de 2014, no Diário Oficial da União, Resolução 163 do CONANDA3, documento 02 e 03, de 13 de março de 2014, considera abusiva toda publicidade direcionada às crianças. O texto diz que "a prática do direcionamento de publicidade e comunicação mercadológica à criança com a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço" é abusiva e, portanto, ilegal segundo o Código de Defesa do Consumidor.
A resolução lista os seguintes aspectos que caracterizam a abusividade:
- linguagem infantil, efeitos especiais e excessos de cores;
- trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança;
- representação de criança;
- pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil;
- personagens ou apresentadores infantis;
- desenho animado ou de animação;
- bonecos ou similares;
- promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil;
- promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil.
3 O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA, é a instância máxima de formulação, deliberação e controle das políticas públicas para a infância e a adolescência na esfera federal foi criado pela Lei n. 8.242, de 12 de outubro de 1991 e é o órgão responsável por tornar efetivo os direitos, princípios e diretrizes contidos no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, conta, em sua composição, com 28 conselheiros, sendo 14 representantes do Governo Federal, indicados pelos ministros e 14 representantes de entidades da sociedade civil organizada de âmbito nacional e de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, eleitos a cada dois anos.
29. Com a resolução, a partir de sua publicação fica proibido o direcionamento à criança de anúncios impressos, comerciais televisivos, spots de rádio, banners e sites, embalagens, promoções, merchandising, ações em shows e apresentações e nos pontos de venda.
30. O texto versa também sobre a abusividade de qualquer publicidade e comunicação mercadológica NO INTERIOR DE CRECHES E ESCOLAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL E FUNDAMENTAL, INCLUSIVE NOS UNIFORMES ESCOLARES E MATERIAIS DIDÁTICOS.
31. Para o Conanda, composto por entidades da sociedade civil e ministérios do governo federal, a publicidade infantil fere o que está previsto na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código de Defesa do Consumidor.
32. No entanto a regulamentação esta na forma de resolução, e a pressão comercial é grande, podendo ser modificada unilateralmente pelo Executivo sem que o legislativo participe.
33. Por ser uma questão muito importante, na seara de proteção da criança, é dever deste Vereador levar o assunto aos seus pares para que de comum acordo, se estabeleça a proteção na forma de Lei Municipal, a proibição de qualquer publicidade e comunicação mercadológica NO INTERIOR DE CRECHES E ESCOLAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL E FUNDAMENTAL DAS ESCOLAS MUNICIPAIS.
34. Já existem organizações que combatem este tipo de abuso na publicidade infantil. Um dos exemplos é o Instituto Alana, que integra o Conanda, na condição de suplente, e contribuiu junto aos demais conselheiros na elaboração e aprovação da resolução já mencionada.
35. Casos concretos observados e relatados por Alana4 foi o caso de publicidade dirigida às crianças por meio de "kits de volta às aulas" colocados em armários de alunos instalados em escolas paulistas. Isso levou o Instituto Alana a notificar as empresas que efetuaram tais condutas.
4 FONTE: http://defesa.alana.org.br/post/75046013025/doces-em-armarios-escolares
36. Relata a organização que no primeiro dia letivo, mais de 15 mil alunos dos ensinos Fundamental II e Médio de 220 escolas paulistas encontraram kits compostos por guloseimas, vales-compras e vouchers com descontos fornecidos pelas empresas participantes, dentro dos seus armários. Além dos alunos que receberão os kits, a ação busca atingir todo o universo de alunos das escolas, que ultrapassa 50 mil crianças e adolescentes.
37. Segundo o Alana "a publicidade dentro de escolas representa especial preocupação, na medida em que, além de abusar da inexperiência das crianças para vender bens mais facilmente, ela invade um espaço que é fundamental na sua formação e deveria ser isenta de mensagens comerciais".
38. O Alana recebeu a denúncia do caso no dia 13 de janeiro de 2014, por meio da página no facebook do Projeto Criança e Consumo, e diante da abusividade da comunicação mercadológica, enviou notificação pedindo que as empresas cessem a ação e deixem de desrespeitar os direitos das crianças.
39. Outro caso relatado pelo Alana5 diz respeito aos Shows comandados por personagem institucionalizada por empresa comercial dentro de escolas públicas e privadas - inclusive para bebês e crianças menores de seis anos - Informa o Instituto Alana que questionaram a legalidade desta estratégia de marketing, que se aproveita da vulnerabilidade da criança com objetivo de transmitir sua mensagem publicitária.
40. Segundo o Alana, este informa que recebeu diversas denúncias sobre as ações de marketing nas escolas e por esta razão o Alan enviou uma representação para o Ministério da Justiça e o Ministério da Educação, pedindo que sejam tomadas ações para coibir imediatamente a prática dentro das escolas.
41. O Alan denuncia que durante os shows, o personagem institucionalizado interage com os pequenos trazendo os logos da empresa para dentro do ambiente de ensino. O ambiente lúdico e o personagem que representa a marca exercem assim a função de criar uma ligação afetiva das crianças com o produto comercial da empresa. O que se divulga como "ação educativa" é na verdade uma maneira de incentivar que os alunos se tornem consumidoras dos produtos desta empresa desde cedo. Para o Alana trata-se claramente de publicidade dentro de um ambiente de ensino, espaço de formação de valores e cidadania, onde a criança está aberta a aprender e assimilar o que é ensinado. Ação que vai contra a opinião de 56% da população que desaprova a publicidade em escolas, segundo pesquisa de 2011 do Datafolha.
42. O Alana enviou em agosto uma notificação a esta empresa, pedindo que fossem encerradas, no prazo de dez dias, todas as suas atividades dentro de instituições de ensino. Com a ausência de resposta da empresa, o Instituto Alana fez então a representação e as cartas por entender que os "Shows "afronta os direitos de proteção integral da criança previsto pela legislação brasileira.
43. A fim de se evitar abusos publicitários dirigidos a crianças com intenção mercadológica, fazemos votos de que os nobres pares imbuídos do mesmo propósito unam-se na aprovação deste projeto.